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A história da indústria automotiva não seria a mesma se não fosse pelos esforços de uma mulher destinada a divulgar a primeira “carruagem sem cavalos” diante do público em uma viagem de longa distância pela Alemanha. Conheça a história de Bertha Benz, uma das pioneiras da invenção do automóvel.
Os anos antes da grande invenção
O desenvolvimento do primeiro automóvel da história teve seu início em 1871, na cidade de Mannheim, na Alemanha, onde os engenheiros Karl Benz e August Ritter uniram forças para abrir uma fábrica de motores. O empreendimento não decolou no primeiro ano devido a decisões tomadas por Ritter, levando a empresa a ter grande parte de seus bens apreendidos.
Para resolver esse impasse, Bertha, esposa de Karl, usou o dote que havia recebido no casamento para comprar a parte de Ritter, tornando-se uma das donas da fábrica. Ela dividia parte de seu tempo para auxiliar Karl e seus funcionários e a outra parte com as tarefas cotidianas típicas de uma mãe de cinco filhos no século XIX.
Os anos seguintes foram marcados por diversas tentativas de Karl para desenvolver um motor que pudesse impulsionar “uma carruagem sem cavalos”. Após unir forças com outros engenheiros da época, Benz conseguiu desenvolver e patentear a criação em 1886, vendido por 600 marcos imperiais alemães (o equivalente a 25 mil reais em 2022). Ainda que inovadora, a criação de Benz não convencia o público. O protótipo não era tão elegante e charmoso como uma carruagem puxada por cavalos, além de ser mais devagar e caro.
Bertha reparou que o melhor jeito de superar a desconfiança do público a respeito da potência do protótipo seria uma demonstração real do veículo em uso. Ela decidiu levar o veículo em uma viagem de longa distância.
A viagem para promover a invenção
A aventura de Benz começou na manhã de 5 de agosto de 1888, saindo da cidade de Mannheim em direção à Pforzheim, em um percurso de aproximadamente cem quilômetros de distância. Ela foi acompanhada de dois de seus filhos adolescentes, Richard e Eugen.
Bertha procurou não fazer nenhuma preparação para a jornada para garantir que não fosse impedida pelo marido para tomar a “viagem perigosa”. O trio empurrou o veículo da garagem até uma boa distância para assegurar que Karl não acordasse com o ruído do motor ligando.
O veículo pilotado era o Benz Patent-Motorwagen. O protótipo usado por Bertha possuía apenas uma marcha e tinha uma potência de 0,89 cavalo – entenda o que essa medida significa nesse artigo. A velocidade máxima era de apenas dezesseis quilômetros por hora. Karl optou por usar apenas três rodas pois o engenheiro não conseguia imaginar uma maneira de fazer duas rodas virarem simultaneamente – algo resolvido por ele alguns anos depois.
A primeira mecânica de carros da história
Ao longo do caminho, diversos problemas interferiram com a viagem. Uma delas foi uma pane seca que ocorreu na cidade de Wiesloch, resolvida após Bertha comprar um frasco de ligroína, uma substância usada em limpeza, vendida apenas em farmácias na época. O combustível utilizado pelo protótipo até então era diferente, mas foi compatível para manter a viagem. Nesse momento, o primeiro “posto de abastecimento” foi inventado.
Bertha improvisou durante a viagem inteira para fazer reparos na invenção que ainda não estava concluída. Para limpar uma linha de combustível que estava entupida, ela utilizou um alfinete de seu chapéu. Ao notar uma quebra no cabo de ignição, Bertha usou sua liga para fazer o isolamento. Por fim, para aumentar a capacidade dos freios feitos de madeira, ela contratou um sapateiro para instalar couro no aparelho – momento que marcou a invenção da lona de freio. Essas falhas foram lembradas pela pioneira para serem corrigidas nas versões seguintes do veículo.
Outro problema encarado pelo trio foram as subidas na parte final do destino. O motor do Patent-Motorwagen não era forte o bastante para impulsioná-lo nesse tipo de terreno – até mesmo em linha reta, a aceleração da invenção era bem baixa. Coube aos filhos do casal Benz empurrarem o veículo nessas situações. No retorno da aventura, a dupla de garotos reclamou do esforço feito à Karl, que optou por incluir uma marcha adicional na versão seguinte do protótipo.
Apesar das dificuldades, o trio chegou à casa da mãe de Bertha durante a noite, em Pforzheim, relatando o feito e as falhas encontradas para Karl através de um telegrama. A viagem de retorno foi feita alguns dias depois.
O legado da viagem
A dupla viu as vendas do veículo crescerem consideravelmente, impulsionando o crescimento do empreendimento do casal. A invenção lentamente evoluiu, com diversas inovações surgindo ao longo do tempo, como novos sistemas de ignição e transmissão, assim como o uso de carburadores e radiadores. Os anos seguintes foram marcados pela ascensão da montadora, hoje conhecida como Mercedes-Benz.
Bertha faleceu em 1944, aos 95 anos de idade, quinze anos após ter se tornado viúva de Karl. A casa onde a família Benz morou e manteve uma oficina foi preservada como uma fundação sem fins lucrativos com o objetivo de promover o estudo científico da colaboração entre o homem e a tecnologia.
A importância de Bertha não está limitada ao seu investimento monetário, às contribuições no desenvolvimento dos primeiros protótipos e da ideia de executar a primeira “ação de marketing” realizada por uma empresa automotora. Ela tinha uma personalidade forte e resiliente, tendo convicção no sonho de Karl, incentivando-o constantemente a acreditar no sonho dele e dando encorajamento para superar as dificuldades encaradas.
Ao relembrar de sua história como um dos pioneiros do mundo automotivo, Karl lembra o valor de Bertha. “Apenas uma pessoa se manteve comigo nesse pequeno barco da vida que me parecia destinado a afundar: minha esposa”, escreveu o engenheiro em uma autobiografia em 1925. “Com coragem e firmeza, ela deu direção às velas da esperança”.
Redação pecahoje.com.br